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Nas décadas de 1940/50/60, do século passado, as famílias Sarilhenses tinham agregados familiares numerosos, as proles chegaram mesmo a atingir 16 pessoas num só agregado. Devido às circunstâncias de vida da época, as brincadeiras dos rapazes tendiam sempre para jogar à bola. Daí a proliferação de jogadores que o clube foi apadrinhando ao longo dos anos. As equipas de futebol eram compostas, com algumas excepções, por jogadores nascidos na terra.
Assim, o futebol, através do clube 1º de Maio, levara as pessoas a viajarem para fora da terra por forma a acompanharem o clube aos diversos pontos do Distrito, através de passeios em excursões de camioneta, autenticas romarias às terras dos adversários com especial prazer à cidade de Sines.
Entre os adeptos Sarilhenses e os adeptos adversários nem sempre as coisas foram pacíficas. Às vezes as contendas chegavam a vias de facto. A cultura da tolerância não era apanágio das claques rivais naqueles tempos. O amor à camisola era, muitas das vezes, levado aos extremos aquando no calor da disputa pelos pontos. As rivalidades eram exacerbadas até ao limite, quando se tratava dos jogos disputados entre o 1º de Maio, Moita, Quinta do Anjo, Alcochete, Amora Arrentela e Sesimbra, sobretudo estes, gerando sempre um ambiente muito tenso: antes, durante e depois dos jogos. Não eram raras as vezes em que haviam tumultos e agressões físicas. Houve até um caso, bem caricato, em que um adepto do 1º de Maio, no calor de uma contenda, entre as claques do 1º de Maio e do Amora (creio), num jogo realizado em Sarilhos Pequenos, em fins da década de 1950, agrediu violenta e inadvertidamente um individuo natural do Chão Duro, também adepto do 1º de Maio, pensando tratar-se de um forasteiro apoiante do clube visitante, o Amora. O engano desta desmesurada violência clubista levou a que o agredido ficasse com alguns dentes partidos. O agressor, após a verificação do erro cometido, ter-se-á penitenciado perante o molestado e atónito agredido, que mais não pode fazer senão aceitar as desculpas. Consta que a pessoa que perpetrou a agressão, depois desse dia, nunca mais quis assistir a jogos de futebol.
Todavia, e apesar disso, foi nesses tempos difíceis que se desenvolveu uma grande amizade, diria mesmo fraternal, entre a população de Sarilhos e a população de Sines, por via dos clubes de futebol. Os encontros entre os dois clubes destacaram-se sempre pela positiva, por causa da empatia criada entre jogadores, dirigentes e populações. Criou-se e fortaleceu-se uma estima frutuosa e duradoura entre ambas as terras, que fugia aos padrões da época no que diz respeito ao relacionamento das claques e suas rivalidades. Essa grande amizade esteve sempre patente aquando as equipas de Sines e de Sarilhos se encontravam por força do calendário desportivo. As quezílias, os tumultos e as desordens, deram lugar ao bom senso, à tolerância e à amizade recíproca, tendo por base o futebol.
É um facto indesmentível, que já não era só uma amizade entre dois clubes, era mais do que isso, passou a ser entre as pessoas que se visitavam mutuamente. Convidavam-se e conviviam entre si, cordial e respeitosamente. As casas e a comida eram franqueadas de parte a parte, perpetuando-se pelos anos seguintes, através das várias gerações. Mais do que ir ao futebol, acompanhar o clube a Sines, os Sarilhenses iam visitar amigos, fortalecer amizades e promover convívios. O resultado dos jogos era o que menos contava. O importante era o respeito mútuo que se criara entre as pessoas das duas povoações.
Com o passar dos anos e o desaparecimento dessas gerações, esse convívio tradicional não existe mais. As circunstâncias da vida mudaram e os costumes também. E até o clube de futebol 1º de Maio F.C. S. também já não existe mais em termos de futebol, acabou ingloriamente. Os motivos não sei, pelo que não vou dissertar sobre o assunto. Faz muita impressão ver um clube centenário (faltam nove meses para fazer cem anos) acabar assim... E digo isto, não por ser um adepto de futebol, que não sou, nunca fui, respeito que é, mas por ser apenas um Sarilhense que gosta de preservar o património colectivo, e o clube é um património que faz parte da memória colectiva dos Sarilhenses, tal como os barcos, as pessoas e os usos e costumes. Fica a esperança de ver as instalações do clube servir, pelo menos, para benefício da população, para o bem comum.
Mulheres de Sines em pose com jogadores Sarilhenses
Estas fotografias com os jogadores posando intercalados, são uma prova de amizade recíproca que existia naqueles tempos. Não era um procedimento habitual. Aliás, creio até, que só aconteceu com estes dois clubes: posar assim, desta forma única, irmanados de um espírito de camaradagem e respeito mútuo. Estou a referir-me apenas a clubes que jogaram com o 1º de Maio. Mas não tenhamos ilusões, não existem claques virtuosas. Nós, Sarilhenses, também tivemos os nossos “pecados” em termos de rivalidades clubistas. Os adeptos foram capazes do melhor, mas também do pior.
Passados mais de 50 anos, os aspectos relacionados com as claques do futebol pouco ou nada mudaram. Talvez até tenham regredido. A incivilidade dos actuais adeptos (leia-se claques organizadas) não desmerece em nada dos seus antecessores dos anos 50. Penso até que a violência no futebol é agora muito mais exacerbada e perigosa, ao contrário desses tempos dos murros, dos pontapés e, quanto muito, do orgulho ferido.
Marcolino (Escrevo pela ortografia antiga e não pela nova ortografia imposta pelo Brasil)
P.S. - As fotos aqui expostas não têm a mesma nitidez das fotos originais.
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